Como se fosse hoje. 13, 14 ou 15 anos. Eu matando aula pra ficar em casa. Esperando os vizinhos levarem seus filhos para escola, ou irem para o trabalho. Para subir na laje, colocar a antena na posição certa e depois tirar um dos dois cigarros que eu consegui roubar da carteira de cigarros da minha mãe. Enquanto isso olhar o céu azul e após o último trago descer e assistir TV, mais especificamente a MTV. Todos aqueles clipes bacanas, esperando um em especial, buzzin do Asian dub foundation. Passava sempre no programa de fim de tarde. As cinco e trinta tinha o “Garganta e Torcicolo”, comandado pelo João Gordo e duas criaturas virtuais muito escrotas. Não lembro o dia da semana. Mas lembro que as aulas do dia, matemática e educação física, pra mim não tinham muita graça.
Mas no dia seguinte, ir para a escola era sagrado, história e geografia. O professor de história era classificado, por nos como: “O doidão”, sempre contando histórias da época da ditadura. O orgulho dele era ter tido à casa invadida três vezes pelo DOPS. Eu achava o máximo.
Já a professora de geografia, muito simpática e agradável aos olhos, sempre ressaltava minha inteligência e eu gostava muito disso. Mas este dia era dia de clipes. E mais tarde sair para a rua gastar uns cinqüenta centavos com cigarros picados e dois reais para a “intera” do vinho ou o hi-fy e ficar tonto na rua vinte com meus amigos Skatistas, falar das “minas”, de carros e escutar o Cd do Charlie Brown jr. ou o dos racionais mc’s. Nos éramos assim. Revoltados. Nunca sem causa, havia uma figura que contribuía para sermos assim, uma figura que era ausente ou violenta, mas que nunca era amiga. Não tínhamos muitas preocupações, apesar de ser pobres. Nossas famílias até nos sustentavam e todo final de semana saímos desvairados pelas ruas do centro de Belo Horizonte: coreto da praça da praça da Liberdade, pistas de skate, chutando latas de lixo e portas de loja, rabiscando paredes entre outros atos. Sempre terminado com um tradicional “figthing”.
Hoje uns dez anos depois. Cada um pegou seu caminho e esporadicamente encontro com um ou outro. Um, por exemplo, foi mais fundo no mundo das drogas. Nosso ultimo encontro foi em uma noite. Eu voltava para casa depois de um dia de trabalho e estudos. Ele e outra pessoa no topo do morro se preparavam para me assaltar, ele descendo e eu subindo, pensei: “já era a pouca grana que eu tenho”, a minha sorte foi que ele me reconheceu. E disse: “É você, takim?” Tirou o capus da blusa do rosto e eu pude ver quem era. Começamos a conversar ele me perguntou o que eu estava fazendo da vida. Eu reponde que estava fazendo Psicologia e ele disse: “que bom! Quando você formar vai poder me tratar”. Foi algo inesperado, fiquei sem resposta, me despedi e fui embora.
Outro, com seu filho e esposa, me encontrou um dia no bar. Começamos a conversar, relembrar dos velhos tempos. E ele me perguntou se eu já estava trabalhando na área de psicologia. Falei que não; que ainda estava trabalhando com jogo de bicho. Ele com um tom de revolta me disse: “deixa de ser comédia, você custou de entrar na faculdade e vai ficar vacilando. Vai continuar trabalhando com isso... isso não dá futuro... Fica esperto!”. Era o que eu precisava ouvir. Na segunda feira, larguei esse trampo e fui buscar um estágio.
Ou rever a professora, que continua a ser simpática e agradável aos olhos, abrir um sorriso de orgulho, quando eu digo que eu consegui entrar na faculdade, e dissendo: “nossa eu sabia que você ia conseguir... eu to fazendo pós-graduação em psicopedagogia, um dia você poderia me explicar os estágios do Piaget?”.
Lembranças de anos reconstruídas em apenas quatro minutos e vinte e nove segundos. Ao som de buzzin’ do asian dub foundation em um domingo meio melancólico. Pessoas tão importantes, numa fase tão difícil, foram risos, bebidas, zueiras, festas, costas raladas no asfalto, brigas, beijos, sonhos e outras coisas. Vejo quem eu fui. Quem eu sou. O passado sempre volta com a mesma pergunta: “e agora? O que você vai fazer com isso tudo?”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário